Ao vermos os golfinhos de Noronha dos barcos ou prestarmos atenção nas fotos submarinas dos rotadores divulgadas pelo Projeto Golfinho Rotador, é fácil perceber cicatrizes ou feridas circulares, como se fossem queimaduras de charutos.
Essas cicatrizes e feridas são resultantes de mordidas de um tubarão específico.
Os principais predadores de golfinhos são tubarões de grande porte como o tigre, o cabeça-chata e o branco. Mas há uma espécie bem menor – o charuto – que se alimenta da camada de gordura dos cetáceos, deixando cicatrizes em forma de disco.
Cerca de 70% dos golfinhos-rotadores de Fernando de Noronha apresentam marcas resultantes de mordidas de tubarões, de acordo com levantamento do Projeto Golfinho Rotador. A maioria é marca de tubarão-charuto.
As mordidas dos charutos são feitas à noite, quando os golfinhos-rotadores estão se alimentando de peixes, camarões e lulas. As presas preferidas dos rotadores são animais com alto percentual de água no corpo e com tamanho inferior a 20 centímetros, e, assim eles mergulham a profundidades de até 300 metros para predá-los.
O tubarão-charuto (Isistius brasiliensis) mede menos de 50 centímetros e tem uma faixa escura em volta das brânquias, que faz sua silhueta parecer menor ainda. Habita águas profundas, mas, assim como as presas dos golfinhos, realiza migrações verticais na coluna d’água durante a noite. O formato, a aparência e a bioluminescência do corpo dos charutos podem fazer com que os golfinhos os confundam com suas presas, especialmente lulas.
A arcada dentária do tubarão-charuto funciona com um abridor-de-latas. Na hora da mordida, o charuto coloca sua mandíbula para fora, a parte de cima prende no corpo do golfinho, o tubarão gira e a aperta de baixo da mandíbula cortando um disco de gordura, como se fosse um “cookie”. Por isto que o nome popular deste tubarão em inglês é “cookie cutter shark”, tubarão cortador de biscoito.
A localização das marcas de mordidas de tubarão-charuto no corpo do golfinho, além de outras cicatrizes, é uma das ferramentas para a catalogação de indivíduos da espécie a partir de fotografias.
Há mais de 700 golfinhos catalogados a partir da fotoidentificação realizada pelo Projeto Golfinho Rotador em Fernando de Noronha. As marcas no corpo dos rotadores, quando não provocadas por tubarão-charuto, podem ser cicatrizes de interações entre rotadores indivíduos da mesma espécie.
Nas imagens do catálogo de fotoindentificação do Projeto Golfinho Rotador, cada imagem possui o número do golfinho e a data da foto. “Assim podemos observar a evolução da cicatrização da mordida do charuto”, diz a bióloga Lume Garcia, da equipe de pesquisadores da instituição.
Identificando os golfinhos a partir das marcas do corpo, a equipe do Projeto Golfinho Rotador tem conseguido informações importantes sobre o comportamento da espécie. Ao avistar um golfinho do catálogo na ilha dois anos depois do registro, por exemplo, os pesquisadores concluem que ele tem fidelidade ao local.
O estudo de foto e vídeo identificação de animais é considerado Pesquisa Ecológica de Longa Duração, pois se caracteriza pelo acúmulo de conhecimento científico sobre o ecossistema, seu funcionamento e dinâmica temporal e espacial.
As estatísticas mostram que 43,5% dos indivíduos tiveram apenas uma avistagem registrada e 18,4% dos indivíduos tiveram mais de cinco avistagens. Os indivíduos mais frequentemente avistados demonstram maior grau de fidelidade à ocupação na área.
Este levantamento, foto e vídeo identificação, assim como outras ações na área de pesquisa, e ainda atividades nos campos de educação ambiental, monitoramento de golfinhos-rotadores, envolvimento comunitário e sustentabilidade realizadas desde 1990 pelo Projeto Golfinho Rotador, têm patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental.