Estudo revela a complexa comunicação e o papel dos cetáceos no ecossistema marinho do arquipélago, destacando a importância da conservação frente ao crescimento do turismo
Fernando de Noronha abriga um dos espetáculos mais fascinantes da vida marinha: o balé dos golfinhos-rotadores. Com saltos acrobáticos, rotações e batidas na superfície da água, esses cetáceos criam um show natural que encanta turistas e intriga cientistas. Mas, por trás dessas coreografias impressionantes, existe um complexo sistema de comunicação e comportamento social que há mais de 30 anos vem sendo estudado pelo Projeto Golfinho Rotador, patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental.
Diferente de outras espécies de cetáceos que também realizam atividades fora d’água, os golfinhos-rotadores são conhecidos por sua intensa movimentação aérea. Eles executam uma variedade de saltos e batidas de corpo na superfície, como rotações, piruetas, inversões e batidas de cauda e cabeça. Para muitos turistas, a impressão é de que os golfinhos estão se exibindo e interagindo com os visitantes. No entanto, estudos apontam que esses movimentos fazem parte de um elaborado sistema de comunicação entre os próprios animais.
Cada tipo de salto ou batida gera padrões específicos de bolhas na água, funcionando como sinais visuais e sonoros para os demais membros do grupo. O modo como o golfinho retorna ao mar – seja de forma horizontal ou vertical – influencia diretamente a reação da coletividade. Saltos horizontais, por exemplo, indicam deslocamento e fazem com que os demais sigam a direção indicada. Já os saltos verticais promovem a coesão do grupo, sendo comuns em momentos de alimentação e reprodução.
Liderança e estratégia social
Pesquisa desenvolvida pelo Projeto Golfinho Rotador identificou que as atividades aéreas estão predominantemente associadas aos machos adultos, responsáveis por organizar o deslocamento do grupo e proteger os membros mais vulneráveis. “Quase 88% dos saltos observados foram realizados por machos adultos, reforçando a hipótese de que esse comportamento está ligado à função de guarda e liderança dentro do grupo”, destaca o oceanógrafo e coordenador do projeto, José Martins da Silva Júnior.
Além disso, segundo Martins, há um padrão claro na execução desses movimentos ao longo do dia. Os pesquisadores mapearam seis períodos comportamentais distintos na Baía dos Golfinhos: entrada, organização, primeiro turno de descanso, reorganização, segundo turno de descanso e saída. Os momentos de maior atividade aérea ocorrem justamente nas fases de organização e reorganização, quando os grupos ajustam suas formações e funções.
“Observamos um grande percentual de golfinhos fazendo sequências de atividades aéreas com rêmoras, um peixe que se fixa nos golfinhos. Esta constatação nos leva a acreditar que uma outra provável razão para os rotadores executarem atividades aéreas seria para retirar ou relocar a rêmora de seu corpo”, afirma o oceanógrafo. Outro comportamento aéreo observado em Noronha por pesquisadores do Projeto Golfinho Rotador é quando o golfinho tira a parte da cabeça onde fica o olha e olha ao redor, tanto para uma vista panorâmica, como para um close-up de um barco.
Nos deslocamentos, como na entrada e saída da baía ou no acompanhamento de embarcações, predominam os saltos horizontais. Já em situações de alimentação e reprodução, os movimentos verticais são mais frequentes. Em momentos de ameaça, como a presença de tubarões, os golfinhos-rotadores adotam um deslocamento de alta velocidade com saltos contínuos, conhecido como porpoising, para fugir rapidamente da área.
Rotadores têm papel ecológico
Os golfinhos-rotadores de Fernando de Noronha desempenham um papel importante no ecossistema marinho do arquipélago, indo muito além de sua atração para turistas e cientistas. Esses mamíferos marinhos atuam como predadores de pequenos peixes, lulas e camarões, contribuindo para o equilíbrio da cadeia alimentar marinha. Além disso, eles são presas importantes para tubarões, formando uma conexão vital na teia alimentar oceânica. Os golfinhos também auxiliam na manutenção dos recifes, ao descartarem restos de suas presas nas proximidades, fornecendo alimento para outros peixes recifais. Outra função ecológica fundamental dos golfinhos-rotadores é a de facilitadores da reprodução das rêmoras, peixes que dependem deles para alimentação. Sua presença também desempenha um papel significativo na conscientização ambiental, atraindo cientistas e turistas interessados na conservação marinha. Finalmente, esses animais geram renda para a comunidade local, impulsionando o ecoturismo e atividades náuticas sustentáveis, que têm se tornado cada vez mais vitais para a economia de Fernando de Noronha. Assim, os golfinhos-rotadores são verdadeiros pilares para o equilíbrio ecológico e o desenvolvimento econômico sustentável do arquipélago.
A análise detalhada de 8.566 atividades aéreas registradas na Baía dos Golfinhos revelou também dados surpreendentes sobre o comportamento dos golfinhos-rotadores. A grande maioria dos saltos, 97,54%, foi realizada por adultos, enquanto apenas 2,46% foram executados por filhotes. Entre os padrões observados, 88,07% das atividades aéreas foram horizontais e 11,93% verticais, com a rotação sendo o movimento mais frequente, correspondendo a 37,80% das acrobacias registradas. Entre os filhotes, essa manobra foi ainda mais expressiva, representando 67,77% dos saltos, o que sugere que os mais jovens aprendem essa técnica desde cedo. Outro dado relevante foi a interação dos golfinhos com embarcações turísticas: em 78,26% das ocasiões em que acompanhavam barcos, eles executavam saltos horizontais, indicando um possível padrão de resposta ao movimento das embarcações.
Conservação e futuro
A intensa atividade turística em Fernando de Noronha, com um número crescente de visitantes e embarcações, representa um desafio para a conservação dos golfinhos-rotadores. Embora suas acrobacias sejam um símbolo do arquipélago, o turismo desordenado pode afetar o comportamento natural desses animais, gerando estresse e mudanças nos padrões de descanso e migração.
Na última década, o total anual de visitantes no arquipélago saltou de pouco mais de 85 mil, em 2015, para o número recorde de 131.503 em 2024. Os dados são do NGI (Núcleo de Gestão Integrada) do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) de Noronha. O limite de visitantes, definido pelo ICMBio com o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Governo de Pernambuco, é de 132 mil visitantes ao ano.
“Projetos de monitoramento e regulamentação são essenciais para garantir que a convivência entre humanos e golfinhos aconteça de forma sustentável, preservando tanto o espetáculo natural quanto o equilíbrio ecológico do arquipélago. Afinal, entender a linguagem desses incríveis animais é o primeiro passo para protegê-los”, conclui José Martins.
Os principais padrões de atividades aéreas, segundo adaptação do autor à classificação, descrição e desenhos de Norris e Dohl (1980), representados nas Figuras abaixo.
Figura 02 – Batida de cabeça -“headslap”.
- O golfinho sai d’água com a cabeça, sem expor totalmente as nadadeiras peitorais, em um ângulo de 30-45°, ao cair n’água arqueia o corpo e dá uma pancada com a cabeça, geralmente, com a face inferior. Considerada uma atividade aérea horizontal de baixo impacto e está relacionada ao deslocamento em baixa velocidade, de um grupo pequeno e/ou por uma curta distância.
Figura 03 – Batida de cauda – “tailslap”.
- O golfinho posiciona-se horizontalmente na flor-d’água, arqueia a base da cauda e a bate fortemente na superfície d’água, produzindo um som seco. Esse padrão pode ser executado tanto em posição normal quanto invertida. Classificada como uma atividade aérea vertical de baixo impacto e está relacionada ao agrupamento de um grupo pequeno.
Figura 04 – Caída -“bakslap”.
- O animal sai d’água parcialmente, expondo a parte do corpo entre as nadadeiras peitorais e a base da cauda, e arqueia o corpo ao cair de barriga, de lado ou de dorso. Definida como uma atividade aérea horizontal de baixo impacto e está relacionada ao deslocamento em baixa velocidade, de um grupo pequeno e/ou por uma curta distância.
Figura 05 – Salto – “leap”.
- Os golfinhos saem d’água de cabeça e com o corpo arqueado em um ângulo aproximado de 30°, sobem um ou dois metros acima da superfície e caem de cabeça, barriga ou lado. Considerada uma atividade aérea horizontal de baixo impacto e a sequência de saltos executadas por vários golfinhos simultaneamente está relacionada a uma situação de alto estresse, como fuga de tubarões ou a grande molestamento de embarcações.
Figura 06 – Rotação – “spin”.
- O golfinho precipita-se para a superfície, como se fosse saltar e, no último instante, quando a maior parte do seu corpo já está fora d’água, ele dobra a cabeça e a base da cauda, inclina as extremidades da cauda e mexe as nadadeiras peitorais para perto ou para longe do corpo. Esses movimentos fazem o animal rodar em torno do seu eixo longitudinal até quatro voltas. O rotador cai de volta n’água, geralmente, de lado e seu corpo continua girando, formando um buraco na superfície, que, ao se desmoronar, produz um reboliço de borrifos e um som estrondoso audível a distância. É essa atividade aérea que dá o nome popular aos golfinhos-rotadores (“spinner dolphin”). Definida como uma atividade aérea horizontal de alto impacto e está relacionada ao deslocamento em alta velocidade, de um grupo grande e/ou por uma longa distância.
Figura 07 – Inversão – “tail-over-head”.
- O rotador sai d’água em um ângulo relativamente grande, ergue a cauda por cima da cabeça num arco amplo e entra n’água primeiro de cauda, produzindo um som seco. Considerada uma atividade aérea vertical de alto impacto e está relacionada ao agrupamento de um grupo grande.
- Pirueta – “tail-over-head with spin” – é a combinação da inversão com a rotação e é o padrão que exige maior esforço físico, por ser o mais complexo. Nessa atividade aérea, o golfinho sai de cabeça d’água, gira em torno do seu eixo, fica invertido de cauda para cima, volta a rodar e cai de cauda n’água, produzindo um som seco. Considerada uma atividade aérea vertical de alto impacto e está relacionada ao agrupamento de um grupo grande.