Estudos mostram que muito mais que encantar turistas, animais caçam, são caçados, alimentam outras espécies, ajudam peixes a se reproduzirem e sustentam o turismo local, sendo elo essencial no delicado equilíbrio do arquipélago.
Eles são aclamados por turistas, celebrados em fotos e vídeos nas redes sociais, e protagonistas das manhãs da Baía dos Golfinhos. Mas os golfinhos-rotadores, que tem como nome científico Stenella longirostris, são muito mais do que uma atração turística em Fernando de Noronha: eles exercem, comprovadamente, seis importantes funções ecológicas para a sustentabilidade do arquipélago.
Dados de mais de 30 anos de pesquisa científica do Projeto Golfinho Rotador, patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental, revelam que esses cetáceos atuam como predadores, presas, recicladores de nutrientes, facilitadores de interações entre espécies marinhas, sensibilizadores ambientais e vetores de geração de renda para a comunidade local.
Os rotadores são caçadores eficientes e dinâmicos. Foram registradas duas táticas principais de caça: a perseguição individual em alta velocidade e a caça em grupo, conhecida como “carrossel”, onde dezenas de golfinhos cercam cardumes de suas presas e mergulham em sincronia, em formação circular tridimensional para capturar as presas. Esses mergulhos, que duram em média 3,2 segundos, costumam envolver presas pequenas — sempre com menos de 20 centímetros — como lulas oceânicas, camarões vermelhos, garapaus, e juvenis de peixe-voador e agulhinhas. As principais áreas de caça estão localizadas fora da Baía dos Golfinhos e da costa do Mar de Dentro, entre 50 e 1.000 metros de profundidade, muitas vezes coincidindo com áreas de pesca da frota local.
Por outro lado, os golfinhos também figuram como presas na teia alimentar marinha. A análise de marcas corporais revela que mais de 90% dos rotadores de Noronha já sofreram mordidas de tubarões-charutos, cujas feridas arredondadas indicam ataques repetidos. Essas mordidas, apesar de não serem letais, retiram pequenas porções de tecido, caracterizando o comportamento quase parasitário desses tubarões. “Grandes tubarões como o tigre e o mako também predam os rotadores, deixando cicatrizes em forma de semicírculo. Estimativas indicam que cerca de 4% dos rotadores apresentam sinais de ataques desses predadores maiores, sendo as fêmeas lactantes as mais vulneráveis. Há ainda registros de ataques diretos, como o de um rotador adulto morto por três tubarões-tigres, observado do Mirante dos Golfinhos”, explica o oceanógrafo e coordenador do projeto, José Martins. A maior presença desses predadores pode explicar a diminuição do uso da Baía dos Golfinhos pelos rotadores, conforme apontam estudos da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Além das relações clássicas de predador e presa, os golfinhos-rotadores também exercem um papel menos visível, mas igualmente importante: a dispersão de nutrientes no ambiente marinho. Peixes como o cangulo-preto e o sargentinho se alimentam das fezes e vômitos dos rotadores, comportamento interpretado como oportunista, mas essencial para a cadeia trófica de peixes planctívoros. Fragmentos de lulas, vermes e restos de presas vomitados em mergulhos viram alimento e ajudam a reciclar matéria orgânica, contribuindo para a saúde dos recifes e dos peixes da região.
Outro aspecto curioso revelado pelos estudos é a relação próxima entre os golfinhos e as rêmoras-de-baleia. “Esses peixes se fixam no corpo dos rotadores, alguns permanecendo por mais de um ano. Além de proteção e alimentação, a convivência próxima de pares sexuais entre as rêmoras favorece sua reprodução. A natureza social e gregária dos golfinhos facilita esses encontros, tornando-os facilitadores reprodutivos desta espécie, uma interação ecológica raramente documentada de forma tão detalhada”, acrescenta José Martins.
Educação ambiental e renda para Noronha
A capacidade dos golfinhos de despertar empatia e fascínio é conhecida desde a antiguidade, com registros em afrescos de Creta e na mitologia grega. Em Noronha, essa conexão se traduz no turismo de observação, que atrai milhares de visitantes por ano. No entanto, o sucesso dessa atividade depende de orientação adequada aos turistas, condutores capacitados e ações educativas permanentes para evitar perturbações aos animais. “Quando bem manejado, o turismo náutico tem o potencial de sensibilizar para a conservação marinha, promovendo o uso não letal da fauna e fortalecendo o vínculo emocional das pessoas com os oceanos”, diz a coordenadora de Educomunicação Ambiental e Sustentabilidade do Projeto Golfinho Rotador, Cynthia Gerling.
Esse turismo também é uma importante fonte de renda para a população local. Em média, segundo afirma Cynthia, 33 barcos turísticos e 22 canoas havaianas realizam passeios diários em Noronha, tendo o avistamento dos golfinhos como principal atrativo. Do Mirante dos Golfinhos, cerca de 90 turistas por dia acompanham as saídas sincronizadas dos rotadores pela manhã. Essa presença movimenta a economia da ilha, gera empregos e reforça a importância de preservar a espécie como ativo ecológico e econômico.
Sobre o Projeto Golfinho Rotador
Desde 1990, o Projeto Golfinho Rotador atua em Fernando de Noronha com pesquisa, educação ambiental e conservação marinha. O projeto é patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e é uma das mais duradouras iniciativas de proteção da espécie no Brasil, sendo referência na aplicação da ciência à conservação.