Parecem todos iguais: cinza-escuro no dorso, cinza-claro nos flancos e branco no ventre. Para os cientistas, no entanto, há marcas no corpo dos golfinhos-rotadores que os diferenciam uns dos outros. Em Fernando de Noronha, já foram catalogados mais de 700. E, para os próximos dois anos, o Projeto Golfinho Rotador tem um desafio: “descobrir”, no mínimo, mais 50 indivíduos.
Frequentemente apenas a nadadeira dorsal é registrada nas fotos para identificação de cetáceos, em virtude da turbidez da água. “Aqui em Fernando de Noronha, onde a água é transparente, a gente vê e registra o corpo inteiro, possibilitando a análise de marcas de outras partes, não só da nadadeira dorsal”, diz José Martins, coordenador-geral do Projeto Golfinho Rotador. As marcas podem ser cicatrizes de interações entre rotadores ou ainda entre eles e tubarões-charutos. Nesse caso, trata-se de marcas circulares, provocadas pela mordida desse pequeno tubarão, cientificamente chamado Isistius brasiliensis.
Essa é a técnica menos invasiva existente, porque o pesquisador não precisa tocar no animal. “Imagine imobilizar um golfinho para colocar uma anilha, por exemplo?”, indaga Lisandra Maria Bezerra, da equipe de pesquisadores do Projeto Golfinho Rotador. Ela explica que o golfinho-rotador é tão sensível ao manejo humano que o estresse de ser tirado da água pode até causar a morte.
Nessa etapa Lisandra está finalizando o catálogo iniciado há 28 anos, quando o Projeto Golfinho Rotador começou a atuar no Arquipélago de Fernando de Noronha. “São tantas fotos que há golfinhos ainda a serem descobertos no nosso banco de imagem”, revela. Os golfinhos vivem entre 20 e 30 anos. Com a conclusão do trabalho, a equipe vai iniciar outro catálogo. “Uma nova geração de golfinhos está se formando em Fernando de Noronha. Então o próximo catálogo iniciará com ela”, diz a pesquisadora.
Por meio da identificação dos golfinhos a partir das marcas do corpo, a equipe do Projeto Golfinho Rotador tem conseguido informações valiosas sobre o comportamento da espécie. Um exemplo: ao avistar um golfinho do catálogo na ilha dois anos depois do registro, os pesquisadores concluem que ele tem fidelidade ao local.
O estudo de foto e vídeo identificação de animais é considerado Pesquisa Ecológica de Longa Duração, pois se caracterizam pelo acúmulo de conhecimento científico sobre o ecossistema, seu funcionamento e dinâmica temporal e espacial.
Os resultados obtidos em edições anteriores evidenciam alterações contínuas na interpretação dos dados, em função do incremento de avistagens e reavistagens.
O último estudo identificou que 43,5% dos indivíduos tiveram apenas uma avistagem registrada e 18,4% dos indivíduos tiveram mais de cinco avistagens. “Os indivíduos mais frequentemente avistados demonstram maior grau de fidelidade à ocupação na área, sugerindo esses golfinhos como mais residentes do que aqueles que possuem cinco ou menos avistagens”, informa José Martins. O trabalho de fotoidentificação e outras atividades de pesquisa realizadas ao longo de 28 anos de criação do Projeto Golfinho Rotador têm patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental e Governo Federal. A ONG Centro Golfinho Rotador é responsável pela execução do projeto, que tem coordenação do ICMBio Noronha.