Trabalho científico inédito e a ser publicado este ano pelo Projeto Golfinho Rotador, com base nas análises de mais de 30 anos de imagens em vídeos de cópulas dos rotadores, nos levam a concluir o que hoje parece óbvio: como sempre, são elas que escolhem.
As primeiras pesquisas sobre o comportamento reprodutivo do Projeto Golfinho Rotador interpretaram que, nos grupos de cópula dos rotadores de Noronha eram os machos que escolhiam as fêmeas com que iriam copular. Era início dos anos 90, quando não existiam trabalhos científicos descrevendo o comportamento reprodutivo de golfinhos em ambiente natural e a maioria dos pesquisadores de comportamento de golfinhos eram homens.
De lá para cá muita coisa mudou. O empoderamento das mulheres na sociedade fez com que elas chegassem à ciência que estuda os golfinhos, a ponto de, há muitos anos, o número de pesquisadoras do Projeto Golfinho Rotador ser maior do que o de pesquisadores.
O comportamento padrão de cópula dos golfinhos-rotadores em Fernando de Noronha consiste na fêmea ser cortejada por de um a dez machos simultaneamente. A fêmea geralmente demonstra um comportamento de fuga dos machos, situação em que normalmente os machos se juntam em número de três ou mais e se posicionam um de cada lado e um terceiro vira de barriga para cima, se coloca sob a fêmea e copula. Também registramos que, na tentativa de indução à cópula, os machos esfregavam, davam mordidas ou enfiavam a ponta do rostro na fenda genital da fêmea.
Inicialmente interpretamos este procedimento como sendo indícios de dominância dos machos no relacionamento.
A releitura do comportamento de cópula dos rotadores de Noronha, por meio da análise do banco de imagens do Projeto Golfinho Rotador, nos permitiu chegar a outra conclusão.
Apesar destas estratégias dos machos de “induzirem” as fêmeas à cópula percebemos com certeza que na maioria das vezes é a fêmea que define quais machos vão efetivar o ato sexual, criando facilidades para uns e dificuldades para outros machos.
Uma dificuldade muito observada é quando a fêmea nada mais rápido na hora em que um macho fica de barriga para cima e se posiciona sob ela, esta acelerada na velocidade da fêmea faz com que o macho não consiga alcançá-la e perca a vez na fila. Outras vezes a fêmea contorce o corpo na hora da penetração, de modo que o macho não consegue “acertar o alvo” da fenda genital. Ainda ocorre das fêmeas ficarem em posição vertical, com o rostro para fora d’água, para evitar a cópula. As fêmeas ainda podem limitar o acesso à sua vagina, fechando ela por meio de um tampão.
Para alguns machos e em algumas situações, as fêmeas oferecem facilidades à cópula, como parar na hora que um macho se coloca sob ela ou nadar em direção a um macho que está de barriga para cima. Assim, as fêmeas possibilitam que uns machos copulem mais vezes que outros.
O caso bem didático sobre este poder de escolha da fêmea, preferindo um em detrimento de outros machos para se reproduzir foi observado na Baía dos Golfinhos.
Em um grupo de seis machos e uma fêmea, um dos machos copulou mais que os outros cinco juntos, alcançando cerca de 50% do número total de cópulas dentro do grupo. Este macho em particular esfrega seu rostro (bico) na fenda genital da fêmea e depois a fêmea parava para ele copular. Após a cópula, este mesmo macho novamente esfrega seu rostro na fenda genital da fêmea. Um segundo macho, que alcançou cerca de 30% do número total de cópulas dentro do grupo, só esfregava seu rostro na fenda genital da fêmea antes de copular. Os outros 3 machos, que não esfregava seu rostro na fenda genital da fêmea copulavam raramente, totalizando 20% dos coitos registrados. Um macho ter tido mais sucesso na cópula que os outros golfinhos do grupo permite supor que certas fêmeas favorecem machos, em particular os que apresentem um comportamento aparentemente mais estimulante, e com isso aumentaria o sucesso reprodutivo desses machos “criativos”.
Mas também registramos um grupo em cópula de cinco machos e uma fêmea durante 35 minutos em perfeita harmonia, com sequências de cópulas ocorrendo sem perseguições e sem disputa entre os machos pela fêmea, que aceitava passivamente a corte. Ao contrário da maioria das ocasiões, em que alguns machos do grupo em cópula efetivam o ato sexual mais frequentemente que outros, neste grupo, foi respeitada uma ordem, que se manteve constante durante todo o tempo de observação.
Esta nova leitura sobre o empoderamento das fêmeas de golfinhos-rotadores no comportamento reprodutivo vai de encontro a recente pesquisa publicada por pesquisadoras do Mount Holyoke College, nos Estados Unidos, claro que seriam pesquisadoras de uma faculdade de artes liberais para mulheres. Examinando detalhes da anatomia genital de golfinhos, elas descobriram que a região clitoriana dos golfinhos tem uma pele bem mais fina com muitas terminações nervosas por baixo, indicando que a região é um “sensor” do sistema nervoso projetados para detectar toques e pressões mais leves e delicados, isto é, as fêmeas de golfinhos possuem um clitóris muito sensível capaz de intensificar seu prazer sexual, assim como as mulheres.
Agora, com a descoberta da existência do clitóris nas fêmeas da espécie, fica ainda mais evidente que os golfinhos fazem sexo também por prazer, e não apenas para procriar”, destaca a bióloga Priscila Medeiros, coordenadora-geral do PGR, que é patrocinado pela Petrobras.
“Isso explica porque é tão comum observarmos, em Noronha, golfinhos-rotadores machos tocando na genitália das fêmeas, tanto com o bico quanto com as nadadeiras”, diz Priscila.
“Isso é muito interessante porque reflete muito do comportamento sexual também da espécie humana”, observa Cynthia Gerling, coordenadora de Comunicação e Educação Ambiental do PGR. “Talvez, alguns homens precisem aprender um pouquinho mais com os golfinhos”, brinca Cynthia.